"Eu não sou uma pessoa má... Só não tive sorte." - Flint Marko
E chegamos no não-tão-amado terceiro filme do cabeça de teia. Aqui a missão era clara: subir o nível! Tivemos um filme adorado e outro filme extremamente aclamado. Pra onde ir agora? Seguir o caminho tão bem traçado até então? Ou fazer todo o possível pra entregar um espetáculo maior? A decisão tomada foi a errada e Sam Raimi tem total clareza de onde errou, o que torna mais fácil o trabalho que farei a seguir: botar fogo nos restos!
Só lembrando que esse texto é o terceiro no meu objetivo de desmembrar a saga até o lançamento de Homem-Aranha: No Way Home. Um por dia! Então caso não tenha lido os outros, tem dois antes e quatro depois. Bora lá porque relembrar é viver!
Começando com outra sinopse horrível tirada do Google:
O relacionamento entre Peter Parker e Mary Jane parece estar dando certo, mas outros problemas começam a surgir. A roupa de Homem-Aranha torna-se preta e acaba controlando Peter - apesar de aumentar seus poderes, ela revela e amplia o lado obscuro de sua personalidade. Com isso, os vilões Venom e Homem-Areia tentam destruir o herói.
Beleza. Vamos para o início. Esse filme já começa em um lugar bem diferente dos anteriores. Ao invés do herói quebrado (emocionalmente e financeiramente), temos aqui um Homem-Aranha no auge do seu sucesso. Namorando o amor da vida dele, sem os notáveis problemas financeiros, sendo amado por todos os cidadãos de NY. Você até pensaria que o Peter é rico agora se ainda não tivesse um senhorio cobrando aluguel atrasado. Fora a vibe "Seu Madruga", não tem nada no filme que mostre que nosso herói ainda sofre com os perrengues do dia-a-dia.
"Ah, mas já tivemos isso em dois filmes. Realmente precisava mostrar o quão quebrado o Peter é em um terceiro filme seguido?" Não necessariamente. Mas as características do Homem-Aranha que tornam ele agradável de acompanhar, que fazem o público se identificar com ele, são justamente as partes humanas. No momento que a gente entrega um extremo sucesso na mão dele, ele deixa de ser "empatizável". A personagem mais humana desse filme é a Mary Jane, mas chegaremos lá na hora certa.
Já sabemos o que o Peter NÃO VAI SER nesse filme. Então o que ele é? A resposta simples é "um grande escroto", mas é mais complexo que isso. Sabemos que o simbionte alienígena tá na terra e, como dito pelo dr. Connors, ele "amplifica as características do hospedeiro", o que leva a entender que um Peter do bem seria só mais bondoso e não é isso que o filme quer. Qual a solução? Uma hora de Peter Parker com um ego gigantesco, com zero empatia e responsabilidade emocional, mesmo que isso não tenha NADA a ver com o Peter que a gente conhece, só para justificar o quanto essas características pioram após o simbionte grudar nele. Resumindo, não vamos só tirar tudo que fazia o personagem agradável, mas vamos substituir essas características por uma dose extra de babaquice.
Ok, acho que já tá claro que eu odeio o Peter nessa história.
Vamos falar sobre os vilões. Depois de três filmes construindo essa transformação, finalmente temos um novo Duende Verde. E eu realmente não sei se essa é uma opinião polêmica ou não, mas ele é a melhor coisa desse filme. Ele não tem espaço pra consertar o filme no meio de tanta bagunça, mas ele tenta. Ele tem uma ótima cena de ação logo no começo do filme, perde a memória (o que pode parecer meio novela mexicana, mas é fiel aos quadrinhos), volta a ser o melhor amigo do Peter, recupera a memória, volta a ser vilão, quase morre nas mãos do herói e ainda tem um arco de redenção. Digo sem peso na consciência que esse filme seria maravilhoso com o principal vilão sendo o Harry.
Eu gosto do Homem-Areia também. Flint Marko tem uma história que vale a pena contar, segue dentro dos padrões antigos de vilões pelas circunstâncias, ele cabe no filme. O grande problema é adequar a história dele ao resto das coisas que precisa acontecer. Ele precisa de um backstory que conecta ele ao assassinato do Tio Ben há anos, só pra justificar o ódio do Homem-Aranha pra, mais uma vez, dar mais motivos pro simbionte transformar ele em uma pessoa pior.
Eddie Brock eu simplesmente nem sei o que comentar. Talvez se começassem o desenvolvimento dele nesse filme e transformassem ele em Venom em outro, eu até podia gostar. Mas ele é insuportável do primeiro momento que entra em cena até o último. E não é como se ele fosse MAU. É antiético, com certeza. Talvez um pouco sem noção, mas nada que não merecesse um arco digno. É tão preguiçosa a construção dele que ele só serve pra ser oposição ao Peter como fotógrafo, depois oposição ao Peter como criatura com poderes aracnídeos e aí escolhe explodir com o simbionte. Tão bidimensional que até colocam ele pra dizer "eu gosto de ser mau, isso me faz feliz" apenas pra não se esforçarem em dar uma história pro coitado que seja DELE e não do Peter.
Eu tô convencido que o maior vilão desse filme é o próprio Peter. Então vamos falar da sua maior vítima: Mary Jane Watson. Uma construção de três filmes aqui. Bora para ANALISANDO MARY JANE WATSON!! Se preparem pro textão!
No primeiro filme, ela só tem um sonho: SER ATRIZ DE TEATRO. Começa a trabalhar de garçonete em meio a audições com um chefe totalmente abusivo, andando de noite nas ruas perigosas da cidade pra conseguir realizar seu sonho. Ela tem um pai alcóolatra e agressivo, então sonha deixar tudo isso pra trás.
No segundo filme, ela finalmente tá trabalhando na área, mas aparentemente não é tão boa quanto gostaria de ser. Isso não é mencionado em palavras no filme, mas, nas duas vezes que a gente vê cenas da peça, ela tá perdendo o timing de suas falas por distrações na plateia (sendo ausência ou presença do Peter). Suponho que isso não seja algo tão fora do comum, até pela frustração do assistente de direção gritando a fala pra ela ou o ator completando a fala no meio pra ajudar. Parecem todos empenhados em fazer a peça dar certo APESAR da Mary Jane.
Chegamos no terceiro filme e ela tá cantando num musical da Broadway, dizendo que quer fazer isso pelo resto da vida dela, mas recebe só críticas negativas e é substituída. Todo o trauma de uma vida sendo menosprezada pelo pai vem à tona, mais pessoas dizendo que ela não é boa o suficiente pra ter o que sempre desejou. Fica bem entendido que o sonho dela acabou ali. Mas ela não pode contar isso pro namorado good vibes coach dela porque ele não consegue se colocar no lugar dela no meio da euforia de ser amado por uma cidade inteira. "Está triste? É fácil resolver: só escolher ser feliz!"
No meio disso tudo, o Peter ainda se vê no direito de beijar mocinhas bonitas de ponta cabeça por aí apenas pela publicidade, totalmente alheio de que está destruindo algo que era único. Mary Jane também tentou replicar o beijo no segundo filme, mas o Peter tinha rejeitado ela e ela estava com o noivo. Foi uma tentativa de substituir, mas foi uma ação honesta. Já o Peter simplesmente achou de bom gosto beijar outra mulher na frente da namorada como se não fosse nada. E tudo isso SEM O SIMBIONTE, só pra deixar claro que isso é o Peter agindo, não é a gosma alienígena contaminando seus pensamentos.
O que ela faz então? Busca abrigo em um amigo. E o momento do filme que eu menos perdoo o Sam Raimi por ter escrito é esse. Não por ser ruim, pelo contrário, a cena do Harry e da MJ cozinhando juntos, rindo juntos, dançando juntos, é a cena mais romântica da trilogia. É um momento de despreocupação que o Peter e ela nunca tiveram.
Ela tem dois momentos de extrema felicidade nesse filme.
O primeiro é após sua estreia na Broadway, o que a gente sabe que não vai acontecer mais.
O segundo é com o Harry.
A parte revoltante é saber que não é uma cena relevante pra trama. Mary Jane não vai ter que se perguntar sobre os seus sentimentos, sobre o que realmente busca em um companheiro, porque no tempo entre ela sair do Harry e chegar em casa, o Harry recupera a memória e já está lá esperando ela chegar pra agredir e chantagear a coitada. São dois minutos, DOIS MINUTOS, entre a cena mais pacífica da história da Mary Jane e mais uma agressão de alguém que ela confiava.
Quinze minutos depois, é o Peter agredindo ela. Mais dez minutos e ela tá sequestrada OUTRA VEZ por um vilão querendo destruir o Peter. Homem-Aranha 3 escolhe a Mary Jane como saco de pancada e tira tudo dela em todas as cenas. E, por mais que o filme decida acabar com uma musiquinha feliz, é notável no rosto dela durante a última dança que ela ainda está totalmente dilacerada por dentro. Como os versos de "I'm Thru With Love" que ela canta "Eu tranquei meu coração/ Manterei meus sentimentos lá".
Mas se o protagonista venceu os vilões e ainda ficou com a garota, tá tudo certo, né?
Parabéns, Sam Raimi!
Já tirei minha revolta do peito, vamos voltar a falar do filme como um todo.
Sinto que os primeiros vestígios de um humor Marvel Studios começaram a nascer aqui. Muita piada, muito momento sério interrompido pra fazer graça. Nem digo que as piadas são ruins porque isso não seria verdade nem pro meu eu atual e nem pro meu eu de 12 anos que adorava a cena do J.J. Jameson tentando contratar uma criança como fotógrafa no meio da batalha final... Mas é necessário? Principalmente quando segundos antes estava um clima fúnebre com a possível morte do teioso e alguns segundos depois termos a morte de um dos protagonistas da franquia? É realmente no meio desses dois momentos que uma piada MELHORA o filme?
Visualmente, eu gosto que tenta coisas novas, mas é o que pior envelheceu na trilogia. Todos os planos fechados de personagens digitais estão muito falsos e a quantidade de lutas do Homem-Aranha sem máscara não ajuda. O tom do filme é bem mais sombrio que os anteriores (justificavelmente) e funcionaria num filme melhor. Até mesmo a trilha do Christopher Young acompanha essa escuridão, com ele fazendo um ótimo trabalho em manter o som do Danny Elfman e entregar temas mais pesados para os novos personagens.
Pra finalizar, eu realmente gostaria de gostar mais desse filme. Ele funciona em entreter, mas, no momento que você começa a cavar fundo nele, você percebe que ele é bem raso e tem pouco a oferecer, principalmente em comparação direta com os anteriores. É triste que essa franquia tenha acabado aqui, acredito que o Raimi merecia a chance de fazer um quarto filme concluindo a história que começou. Considerando que (até o momento 😏) essa é a última vez que vemos essa versão dos personagens, é um final caído para uma ótima trilogia. Merece 5/10 aranhas douradas!